terça-feira, 28 de maio de 2013
~carta á Tense~
Avó…
Lembras-te de me mandares ir buscar os ovos à capoeira? Ver se as galinhas tinham ‘posto’ algum?
Lembras-te, quando bem de manhãzinha fazias o pequeno almoço para o avô, e eu aparecia de mansinho e , pedia também o meu prato de papas de milho, com uma generosa camada de açúcar por cima?
Lembras-te do gosto com que te acompanhava enquanto batias bolos todas as 6as feiras? Foi ali, nesses momentos que lhe tomei o gosto. Foste tu que mo incutiste. Eras tu que ali a meu lado me davas as instruções. Foi da tua mão que passou para a minha a responsabilidade de segurar a batedeira. E quando no começo a minha mão se cansava depressa do pequeno electrodoméstico, me dizias, ‘continua a bater, estás a bater os ovos com o açúcar, é a parte que tem de ficar melhor misturada’. E ainda hoje essa tua lição me está sempre presente. E demoro-me com dedicação nesses instantes em que os ovos envolvem o açúcar. E ali fico esperando que aquela mistura amarelada vá esbranquiçando, que forme bolhas. E aí, sempre aí lembro-me das tuas palavras como se estivesses ao meu lado. E tu, lembras-te?
A verdade é que não foram só bolos…Naquela, na tua, na nossa cozinha criámos mais que bolos. Criámos lembranças para uma vida. Acho, aliás tenho a certeza, que foi ali que ‘aprendi’ a gostar da ’cozinha’. Foi ver-te preparares todos os dias almoços e jantares. Tentando descortinar os teus pequenos truques de cozinha, provando cada molho que refogava no tacho. Acho que foste tu me que me tornaste gulosa. Foste tu, que sem o saberes, me ensinaste a cozinhar, incutiste-mo apenas com uma aprendizagem visual, e foi o suficiente.
Já foi depois do avô morrer que cozinhei para ti. Preparei um almoço para nós duas, e lembro-me que gostaste, e naquele momento fiquei orgulhosa. Orgulhosa porque naquele instante fez-se a transição, era eu que te alimentava, e tu gostavas, tinha-me saído bem. Havia sido sempre o inverso. Lembraste desse momento?
E aquele em que, como fazíamos quase sempre o bolo de iogurte, tentámos fazer um pão de Ló? E não correu nada bem…Batíamos e batíamos as claras, e elas nada de fixarem. Deitámos meia dúzia de claras fora. Voltámos a tentar e nada. Foi nesse dia que aprendemos a delicadeza de bater claras, que as varetas da máquina tinham de estar limpinhas e sem água…o nosso erro! Mas aprendemos e sentimo-nos triunfantes com o nosso belo pão de Ló. De qualquer da maneira, não o voltámos a fazer… Resguardávamo-nos sempre no de iogurte, aquele velho e fiel bolo que nunca desiludia. Claro que uma ou outra vez abríamos o teu grande livro de receitas da Branca de Neve e eu (era sempre eu) que te desencaminhava para tentarmos um novo…ainda experimentámos um bolo de azeite e outro de mel. De chocolate não, porque tu não gostas de bolo de chocolate.
Lembras-te de dormirmos juntinhas? Desde que era pequena até já ser uma mulher? E que ainda assim pedia para me aqueceres os pés? Não tenho culpa…são sempre frios. Mas tu não te importavas e chegavas sempre os teus pés aos meus.
Avó será que não apagas da memória aqueles momentos só nossos? Momentos de neta e avó, mãe e filha quase. Porque nesta família somos assim, próximas.
Eu sei que é difícil agora lembrares-te disto tudo. A velhice não perdoa, a cabeça está cansada, e a doença não dá tréguas. Mas apenas por um momento gostava tanto que te lembrasses de alguns episódios nossos e te risses. Desses daquelas tuas risadas bem rasgadas e com vontade.
Se não conseguires, lembra-te apenas destas minhas próximas palavras,
Parabéns! Gosto muito de ti.
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